Thursday, March 22, 2012

O Pagador de Promessas -Dias Gomes

Mestre Coca consulta os companheiros com o olhar.  Todos compreendem a sua intenção e respondem afirmativamente com a cabeça.  Mestre Coca inclina-se diante de Zé-do-Burro, segura-o pelos braços, os outros capoeiras se aproximam também e ajudam a carregar o corpo.  Colocam-no sobre a cruz, de costas, com os braços estendidos, como um crucificado.  Carregam-no assim, como numa padiola, e avançam para a igreja... Intimidados, o Padre e o Sacristão recuam, a Beata foge e os capoeiras entram na igreja com a cruz, sobre ela o corpo de Zé-do-Burro.

Esta é a última cena da tragédia, "O Pagador de Promessas." O protagonista, Zé-do-Burro, morto é levado numa cruz para dentro da Igreja.  Era um homem simples, fiel, e extremamente devoto à fé.  Por não ser entendido pelas pessoas ao seu redor, acaba perdendo tudo, inclusive a própria vida.  É uma experiência bastante triste ver como as pessoas são incapazes a simpatizar e ajudar o Zé.  Elas procuram maldade onde não há maldade, procuram acusar um inocente, procuram se aproveitar de todas as maneiras o caso deste homem da roça.  O leitor pode perceber como é fácil ter um ponto de vista bastante torcido e se for um leitor sábio aprenderá a analizar os motivos das pessoas ao seu redor corretamente.

Friday, March 16, 2012

O Pagador de Promessas, Dias Gomes


Não era direito.  Eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus.  E Jesus não usou almofadinhas.
Rosa
Não usou porque não deixaram.
Ze
Não, nesse negócio de milagres, é preciso ser honesto.  Se a gente embrulha o santo, perde o crédito.  De outra vez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: -- Ah, você é o Zé-do-Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa.  Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo.

-Na peça de Dias Gomes, "O Pagador de Promessas", há uma fonte rica de cultura Brasileira.  Vemos o negócio de um milagre e o pagamento do indívidado Zé-do-Burro por meio duma promessa.  A maneira de se ver o negócio entre a Santa Bárbara e o Zé importa tudo.  Sua esposa, a Rosa, vê como ridículo.  Ela acha que o Zé está fazendo demais para pagar a promessa e que a Santa já deve ter aceito o sacrifício que ele fez.  O padre da Igreja recusa o Zé a entrar na Igreja tendo ele feito a promessa num terreirro de candomblé para a imagem de Iansã.  O Zé porém é extremamente fiel à promessa que fez.  Sem sequer desviar do caminho um pouquinho ele está disposto a fazer tudo que for necessário para agradar a Santa Bárbara, o que é evidente na citação acima.  

Thursday, March 8, 2012

Auto-Retrato, Rui Knopfli

De português tenho a nostalgia lírica
de coisas passadistas, de uma infância
amortalhada entre loucos girassóis e folguedos;
a ardência árabe dos olhos, o pendor
para os extremos: da lágrima pronta
 à incandescência súbita das palavras contundentes,
do riso claro à angústia mais amarga.
...
De português , o olhinho malandro, concupiscente
e plurirracial, lesto na mirada ao seio
entrevisto, à nesga de perna, à fímbria de nádega;
a resposta certeira e lépida a dardejar nos lábios,
o prazer saboroso e enternecido da má-língua.

De suíço tenho, herdados de meu bisavô,
um relógio de bolso antigo e um vago, estranho nome.

-O Rui Knopfli fala aqui de sua herança portuguesa.  Ele faz um contraste entre as duas heranças.  É óbvio para o leitor que Rui Knopfli sente um vínculo forte às suas raízes portuguesas.  Ele herdou praticamente sua identidade toda de Portugual e quase nada da Suiça além de um nome e relógio.  Ele mostra a importância da cultura e da ascendência em definir o indivíduo. 

Thursday, March 1, 2012

Autopsicografia -Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só que eles não têm.
E assim na calhas de roda
Gira, a entreter a razão
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

-É comovente a emoção e sentimento que pode vir de um poema.  O poema é escrito de tal maneira que possa criar essas reações no coração do leitor.  Poderíamos imaginar o quanto o poeta sente quando está no processo de criar um poema.  O poeta chega a não somente fingir, criar explorar mas ele chega a apreciar todas as experiências que com isto vem. O poeta finge e acaba sentindo a dor que finge sentir.  Seu coração é entrelaçado de possibilidades.