Thursday, January 26, 2012

Primaveira -Adriana Lisboa

Cinzento, todo cinzento. Sob uma tarde cinzenta. Sob as asas havia também um pouco de amarelo, notei. A buganvília quase não tem folhas: só flores. Magenta, cor-de-rosa, um híbrido pleno e doloroso. Sobre a mesa da varanda, o cacto se curvou um pouco por causa da última ventania. E no entanto nos basta um momento como este. Telhas de zinco, telhas de cerâmica, um pára-raios. Um cata-vento em forma de flor: roxa, com o miolo preto.

Na mesa de trabalho, ali ao lado, um frasco de colírio, um grampeador e um calendário. Uma máscara de Veneza e um porta-retratos com a porta azul de uma casa em Tiradentes. A página número 312 do livro que está sendo traduzido. He had, however, bolted the stable door; and by the time they had forced it open there was no sign of him. Três canetas e um envelope pardo. Um enorme dicionário de capa azul e um livro: Seis problemas para Don Isidro Parodi.

Uma mosca passa e vai embora. O chão da varanda está manchado de vermelho-ferrugem e em algum lugar alguém acelera o motor do carro. Um finíssimo véu de claridade respira, e logo se desmancha entre as nuvens.


-Aqui esta um texto de literatura da Adriana Lisboa, diria eu que seja uma poema ou talvez ate uma pintura.  A tarde e cinzenta, nao ha folhas mas o momento e abastecido de cor e vida.  A beleza do retrato esta na sua simplicidade de ser; as telhas, o para-raio, o cata-vento... Se percebe nitidamente a mesa da varanda, o livro aberto no processo de ser traduzido, e o simples envelope pardo.  A vida e boa, a vida e simples, a primaveira e bela e afinal o veu se rasga o ceu se clareia.  Adriana Lisboa acaba de pintar o retrato de um dia simples de primaveira na sua beleza mais plena.  

Thursday, January 19, 2012

A Chinela Turca, Machado de Assis

Duarte acompanhou o major até à porta, respirou ainda uma vez, apalpou-se, foi até à janela.  Ignora-se o que pensou durante os primeiros minutos; mas, ao cabo de um quarto de hora, eis o que ele dizia consigo: -- Ninfa, doce amiga, fantasia inquieta e fértil, tu me salvaste de uma ruim peça com um sonho original, substituíste-me o tédio por um pesadelo: foi um bom negócio.  Um bom negócio e uma grave lição:  provaste-me ainda uma vez que o melhor drama está no espectador e não no palco.

-Acima é último parágrafo do conto maravilhoso, A Chinela Turca.   O conto em si fala do drama.  Esse tema do drama se sublinha pela leitura enquanto o Machado nós leva por uma aventura empolgante e misteriosa.  Duarte, o protagonista desse conto, se chateia de ouvir o drama enfadonho do major, Lopo Alves, velho amigo da família e companheiro do seu finado pai no exército.  Duarte é jogado no meio de um drama real no qual ele se salva por pouco.  O ponto principal desse conto é o último parágrafo no qual o Duarte exclama exasperado, "o melhor drama está no espectador e não no palco."  No conto Machado patrocina a arte do drama em si e delineia o amor que ele tem por ela.  Mas junto vem a sensação dele não gostar do drama criado pela vida.  Um drama imprevisível e inesperado.  Um drama de emoções investidas e nervosismo cólero.