Thursday, February 23, 2012

Tercetos, Olavo Bilac

I
Noite ainda, quando ela me pedia
Entre dois beijos que me fosse embora,
Eu, como os olhos em lágrimas, dizia:

“Espera ao menos que desponte a aurora!
Tua alcova é cheirosa como um ninho…
E olha que escuridão há lá por fora!

Como queres que eu vá, triste e sozinho,
Casando a treva e o frio de meu peito
Ao frio e à treva que há pelo caminho?

Ouves? é o vento! é um temporal desfeito!
Não me arrojes à chuva e à tempestade!
Não me exiles do vale do teu leito!

Morrerei de aflição e de saudade…
Espera! até que o dia resplandeça,
Aquece-me com a tua mocidade!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava…
Espera um pouco! deixa que amanheça!”

— E ela abria-me os braços. E eu ficava.

II
E, já amanhã quando ela me pedia
Que de seu claro corpo me afastasse,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

“Não pode ser! não vês que o dia nasce?
A aurora, em fogo e sangue, as nuvens corta…
Que diria de ti quem me encontrasse?

Ah! nem me digas que isso pouco importa!…
Que pensariam, vendo-me, apressado,
Tão cedo assim, saindo a tua porta.

Vendo-me exausto, pálido, cansado,
E todo pelo aroma de teu beijo
Escandalosamente perfumado?

O amor, querida, não exclui o pejo…
Espera! até que o sol desapareça,
Beija-me a boca! mata-me o desejo!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava!
Espera um pouco! deixa que anoiteça!”

— E ela abria-me os braços. E eu ficava.

Este poema reflete bem as características do parnasianismo. A técinica e forma são rigidas e a rima consistente.  Vê-se claramente o lema: "Arte pela arte". Não há reflexos de problemas sociais nem nada do tipo.  É simplesmente arte pela arte e eu diria que o aspecto artístico do amor nesse poema é muito lindo.  A objectividade do Olavo Bilac é a de represtar o amor.  A qual é alcança perfeitamente.

Thursday, February 16, 2012

Língua Portuguesa -Olavo Bilac

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e spultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

-Este poema é uma perfeita personificação da língua portuguesa, uma língua que é viva, que tem melodia e força. Olavo Bilac diz a língua portuguesa ser rude e inculta como a bruta mina entre os cascalhos mas diz ela ser uma flor, o arrola da saudade e da ternura, lira singela, viço cheirosa.  A língua portuguesa ambos bela é grossa, e por assim ser, ela é para os que a conhecem uma língua encantadora.  Amo a língua portuguesa e este poema me ajuda a entender o amor que tenho por ela. 

Friday, February 10, 2012

Medo da Eternidade, Clarice Lispector

-Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba.  Dura a vida inteira. 
-Como não acaba?  -Parei um instante na rua, perplexa. 
-Não acaba nunca, e pronto.
...
Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
-E agora que é que eu faço?  - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver. 
-Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar.  E aí mastiga a vida inteira.  A menos que você perca,  eu já perdi vários. 
Perder a eternidade? Nunca.
...
Assustei-me, não saberia dizer por quê.  Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada.  Mastigava, mastigava.  mas me sentia contrafeita.  na verdade eu não estava gostando do gosto.  E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito. 
Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade.  Que só me dava era aflição.  Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar. 
Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia. 
...
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso. 
Mas aliviada.  Sem o peso-da eternidade sobre mim. 

               Essa crônica é linda.  Ela aborda a experiência simples de uma criança que está a provar pela primeira vez chicle.  É algo ordinário que se torna extraordinária.  A criança de primeiro é tomada de espanto, cativada pela idéia de uma bala durar para sempre.  Ao mastigar a bala infinita a criança fica nervosa.  Não é que ela não gosta do chicle mas que o gosto da eternidade é assustador para ela.  Ela diz mesmo "Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade."
              Clarice Lispector escreveu uma crônica típica e tão perfeita. Ela conseguiu pegar uma experiência cotidiana e fazê-la real para o leitor.  O leitor olharia para o chicle de modo novo.

Thursday, February 2, 2012

Conto (não conto) -Sérgio Sant´Anna

Aqui, um território vazio, espaços, um pouco mais qu nada.  Ou muito, não se sabe.  Mas não há ninguém, é certo.  Uma cobra, talvez, insinuando-se pelas pedras e pela pouca vegetação.  Mas o que é uma cobra quando não há nenhum homem por perto? Ela pode apenas cravar seus dentes numa folha, de onde escorre um líquido leitoso.  Do alto desta folha, um inseto alça vôo, solta zumbidos, talvez de medo da cobra.  Mas o que são os zumbidos se não há ninguém para escutá-los? São nada.  Ou tudo.  Talvez não se possa separá-los do silêncio ao seu redor.  E o que é também o silêncio se não existem ouvidos?  Perguntem, por exemplo, a esses arbustos.  Mas arbustos não respondem.  E como poderiam responder?  Com o silêncio lógico, ou um imperceptível bater de suas folhas.  Mas onde, como, foi feita essa divisão entre som e silêncio, se não com os ouvidos?
......
Mas digam-me: se não há ninguém, como pode alguém contar esta história?  Mas isto não é uma história, amigos.  Não existe história onde nada acontece.  E uma coisa que não é uma história talvez não precise de alguém para contá-la.  Talvez ela se conte sozinha. 

Mas contar o que, se não há o que contar?  Então está certo: se não há o que contar, não se conta.  Ou então se conta o que não há para contar. 

-Este conto é simplemente esplêndido.  Lembrou-me de um provérbio chinês que diz "Se uma árvore cair na floresta e não houver ninguém para vê-la cair, será que a árvore caiu?"  Várias análises poderiam ser feitas deste conto mas prefiro uma que seja simples e direta.  Este conto metaliterário sugere coisas relacionadas à importância da percepção, dos variados pontos de vista e de perspectivas divergentes.   Será mesmo que importa uma cobra onde não há ninguém por perto?  A cobra importa sim e também não.  Não importa para o homem que não está perto.  Importa para o ambiente, o inseto por exemplo, e para a história do conto.  Será que pode contar o que não há para ser contado?  A mente do leitor se engasga neste pensamento e isto acaba criando uma atenção forte que cativa e entrete a imaginação do leitor, um aspecto digno de notar.  Tudo na história se torna mais claro e vívido.  Mas não se resolve a questão e o leitor é deixado com um pouco de confusão na cabeça.