Thursday, February 2, 2012

Conto (não conto) -Sérgio Sant´Anna

Aqui, um território vazio, espaços, um pouco mais qu nada.  Ou muito, não se sabe.  Mas não há ninguém, é certo.  Uma cobra, talvez, insinuando-se pelas pedras e pela pouca vegetação.  Mas o que é uma cobra quando não há nenhum homem por perto? Ela pode apenas cravar seus dentes numa folha, de onde escorre um líquido leitoso.  Do alto desta folha, um inseto alça vôo, solta zumbidos, talvez de medo da cobra.  Mas o que são os zumbidos se não há ninguém para escutá-los? São nada.  Ou tudo.  Talvez não se possa separá-los do silêncio ao seu redor.  E o que é também o silêncio se não existem ouvidos?  Perguntem, por exemplo, a esses arbustos.  Mas arbustos não respondem.  E como poderiam responder?  Com o silêncio lógico, ou um imperceptível bater de suas folhas.  Mas onde, como, foi feita essa divisão entre som e silêncio, se não com os ouvidos?
......
Mas digam-me: se não há ninguém, como pode alguém contar esta história?  Mas isto não é uma história, amigos.  Não existe história onde nada acontece.  E uma coisa que não é uma história talvez não precise de alguém para contá-la.  Talvez ela se conte sozinha. 

Mas contar o que, se não há o que contar?  Então está certo: se não há o que contar, não se conta.  Ou então se conta o que não há para contar. 

-Este conto é simplemente esplêndido.  Lembrou-me de um provérbio chinês que diz "Se uma árvore cair na floresta e não houver ninguém para vê-la cair, será que a árvore caiu?"  Várias análises poderiam ser feitas deste conto mas prefiro uma que seja simples e direta.  Este conto metaliterário sugere coisas relacionadas à importância da percepção, dos variados pontos de vista e de perspectivas divergentes.   Será mesmo que importa uma cobra onde não há ninguém por perto?  A cobra importa sim e também não.  Não importa para o homem que não está perto.  Importa para o ambiente, o inseto por exemplo, e para a história do conto.  Será que pode contar o que não há para ser contado?  A mente do leitor se engasga neste pensamento e isto acaba criando uma atenção forte que cativa e entrete a imaginação do leitor, um aspecto digno de notar.  Tudo na história se torna mais claro e vívido.  Mas não se resolve a questão e o leitor é deixado com um pouco de confusão na cabeça. 

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