-Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.
-Como não acaba? -Parei um instante na rua, perplexa.
-Não acaba nunca, e pronto.
...
Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
-E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.
-Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
Perder a eternidade? Nunca.
...
Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. mas me sentia contrafeita. na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.
Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.
Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.
...
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.
Mas aliviada. Sem o peso-da eternidade sobre mim.
Essa crônica é linda. Ela aborda a experiência simples de uma criança que está a provar pela primeira vez chicle. É algo ordinário que se torna extraordinária. A criança de primeiro é tomada de espanto, cativada pela idéia de uma bala durar para sempre. Ao mastigar a bala infinita a criança fica nervosa. Não é que ela não gosta do chicle mas que o gosto da eternidade é assustador para ela. Ela diz mesmo "Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade."
Clarice Lispector escreveu uma crônica típica e tão perfeita. Ela conseguiu pegar uma experiência cotidiana e fazê-la real para o leitor. O leitor olharia para o chicle de modo novo.
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